
Tudo parecia denso. Até mesmo o ar que entrava pelas minhas narinas parecia sentir medo, pena, ou sei lá o que de algo. As folhagens das árvores que nos rodeavam farfalhavam ao sopro do vento fúnebre que preenchia o dia cinzento.
Devíamos estar em algum lugar alto. Porque logo atrás de Thalita, o solo em que pisávamos findava. E a vista daquele lugar parecia mesmo um tanto panorâmica.
- Eu te amo tanto!
- Então me abraça forte e diz mais uma vez que já estamos distantes de tudo. – Pediu ela, com aqueles negros olhos rasos que conseguiam ser profundos ao se direcionarem aos meus. Então sorri e tomei-a em meus braços.
- Já estamos distantes de tudo. – Falei enquanto a abraçava, confortando-a.
Depois de uns instantes, num repente ela se livrou delicadamente dos meus braços que a prendiam num abraço. Deu um passo para trás e não tinha nada ali para que ela tropeçasse, mas ela caiu. Foi então que percebi que estava em um penhasco. Lembro-me veemente do desespero que senti quando olhei para baixo e avistei o corpo dela indo de encontro ao rio enorme que lá havia. Eu não cheguei a pensar em algo. Quando dei por mim, era meu corpo que havia caído ruidosamente na mesma água que a engoliu. Caí de olhos abertos e, devido a minha forte queda, pude enxergar a água incolor fazer bolhas ao meu redor e tornar-se branca. O rio era escuro e parecia ser de uma profundidade sem fim. – Assim como eram os olhos de Thalita.
Mergulhei fundo, olhando para todos os lados à procura dela. Mas não a via. Tampouco conseguia ver lados ali de baixo. Estava tudo escuro e eu só sabia que estava na água, porque não conseguia respirar. Mantinha meus olhos abertos, mas era como se eles estivessem fechados. Eu não via absolutamente nada a não ser um único e puro breu.
Não tardou a bater em mim uma imensa necessidade de voltar à superfície para buscar ar para meus pulmões. Todavia, algo não me deixava ceder a outra necessidade que não fosse encontrar Thalita naquele rio abismático. E eu nadava, nadava, numa procura sem êxito. Até que meus pulmões não puderam suportar mais. Nisso, nem se eu quisesse conseguiria chegar à superfície. Era tarde para isso. E no desespero do meu afogamento, acordei.
Meu corpo parecia ter chorado por horas enquanto dormi. Eu estava transpirando demais. Sentei-me assustado na cama, respirando fundo, enxugando o suor da testa enquanto tentava acalmar meu âmago, dizendo a mim mesmo que aquilo havia sido um pesadelo. Mas eu não sabia o que era pior: Ter despertado daquele sono opressivo sem entender o sentido dele, ou ter morrido nele sem ao menos encontrar Thalita, o meu amor. – A menina da minha vida, que a propósito, já havia falecido há um mês.
Do que estaríamos distantes? Seria da tortura da saudade e até mesmo distantes da própria distância? Será que tudo era um indício de que ela também sentia minha falta de onde quer que estivesse?
Era bom tê-la comigo em meu subconsciente. Ainda que por vezes fossem pesadelos nos quais ela sumia sem que eu conseguisse encontrá-la, eu podia sentir o calor do corpo dela quando a abraçava. Podia sentir normalmente todas as emoções que o olhar dela transmitia. Tudo exatamente como eu sentia em vida, quando ela respirava.
A saudade que eu tinha dela pisava em meu peito com salto agulha. Incomodava-me não entender aqueles pesadelos. Mas quando eram sonhos, ah... Por Deus, como eu odiava acordar.
#Pauta para 83ª edição musical e 84ª edição visual do Bloínquês