“Na música, o próprio silêncio tem ritmo.”
Acho que era outubro de 2005. Como eu poderia me esquecer do mês em que cheguei como novata em um colégio cheio de patricinhas e meninos convencidos?! Bom, na verdade eu ainda me lembro disso, mas é por causa de outra pessoa. Aquelas patricinhas e aqueles meninos convencidos, cheios de hormônios, aos 14 anos, eram irrelevantes para mim. Se fosse por eles, eu teria me esquecido logo de quando minha nova vida na nova cidade começou. Foi horrível chegar naquele lugar, não conhecer nada nem ninguém. Eu me senti tão triste, com um nó na garganta, uma vontade de chorar.
Me sentei na primeira carteira, da segunda fileira. Foi a primeira carteira vaga que avistei. Eu estava numa melancolia profunda, por me sentir uma estranha ali. Mas um anjo me salvou quando eu estava prestes a me jogar do penhasco. Uma voz de tom aveludado falou no meu ouvido perguntando se eu me importaria se ele se sentasse comigo para me ajudar. Era Lucas, meu novo colega, que se sentava atrás de mim. De repente, me dei conta de que um dos convencidos fora o primeiro a me tirar um riso, a aliviar meu medo. Talvez ele não fosse tão convencido assim... Eu me senti tão bem quando ele se sentou ao meu lado. O fato é que não demorou muito para que ele se tornasse meu melhor colega de classe e o meu melhor amigo. Eu amava o jeito como ele tentava me fazer entender contas de matemática e me encantava como ele se divertia quando confundia minha cabeça com os números. Exatas nunca foi o meu forte. Eu me preocupava com minha lentidão nessa matéria, mas depois que o conheci tudo ficou mais fácil. Era como se eu me esquecesse de me preocupar. Ele me ajudava em tudo que eu tivesse dificuldade. Éramos super diferentes: Ele era o cérebro em exatas além de saber um pouco sobre todas as outras matérias, e eu era ruim em tudo. Mas tem algo que sempre foi nossa sintonia: a música. Eu sempre amei música. Estava sempre com os fones no ouvido e em casa, eu amava sentir o som soar em meus ouvidos com o volume alto. Lucas também adorava música. Mas o que ele amava de verdade, era tocar violão, ele me contara. Tocar era tudo pra ele.
“Quando você toca um instrumento, você passa a ter um motivo a mais para amar a música. Quando você está tocando, quem está fazendo a música é você.” – Ele me disse uma vez no recreio, quando estávamos falando sobre música. Não fazia muito sentido, mas no fundo eu gostava disso. No fim de 2005, tive que voltar para minha cidade natal. Ficar sem ele, vê-lo dizer que sentiria saudades, doía em mim. É claro que eu teria saudades. É que... Bem... Eu me apaixonei por ele, meu melhor amigo. Dois anos se passaram, e no outono de maio de 2007, voltei novamente para a cidade de Lucas. Era um rolo. Coisas do trabalho do meu pai. Aí tínhamos que ficar indo e voltando num certo período de meses. Caminhava lentamente na rua logo ao lado do rio que ficava no centro da cidade. De longe comecei a ouvir o som acústico da música Quase de manhã, do Scracho e uma voz aveludada a cantando baixinho. Conforme eu andava, o som ia ficando mais próximo. Então eu subi no murinho que ficava ao lado daquela rua, e avistei quase perto da borda do rio, um anjo de voz aveludada tocando violão. Era Lucas. Desci do murinho, me sentei na rampa, numa distância boa para que ele não notasse minha presença ali. Estava adorando o ver tocar enquanto cantava. Eu hesitava se chegava perto dele, ou esperava ele terminar a canção, pensando: 'Talvez não seja o momento, é melhor repensar’. Quanto mais eu repensava, mais eu hesitava. Fui me aproximar um pouquinho mais dele, e pisei em uma pedrinha que havia logo adiante, fazendo-a rolar a rampa abaixo até cair na água. Era uma pedra pequena, mas fez barulho o suficiente para que Lucas olhasse para o lado, e me visse contemplando-o, sem graça por ele ter me descoberto. Ele gritou meu nome, como se não acreditasse que eu estava ali. Colocou cuidadosamente o violão no chão, e veio correndo me dar um abraço de urso.
- Faz tempo que você está aqui? Senti tanto a sua falta!
- Não. Eu tentei ficar quieta para você não me notar enquanto cantava e tocava. Não queria te interromper. Você não sabe o quanto estou feliz por ter te encontrado.
- Que isso, Bela.
- Relaxa. Eu só queria ouvir a canção toda. Eu nunca tinha te visto tocando antes, foi incrível.
- Mas você sabe que eu nunca gostei que ficássemos distantes um do outro. E se eu bem te conheço, você nunca gostou que ficássemos em silêncio.
- Mas não estávamos em silêncio agora há pouco. Você estava fazendo música. Tocando.
- Uau, você ainda se lembra do que eu disse. “Quando você está tocando, você é que está fazendo a música” – Falamos a frase em uníssono. – Sorrimos.
- Der, eu jamais esqueceria.
- Mas enfim... Posso terminar de fazer aquela música sentado ao seu lado?
- Já demorou já pra você ir buscar seu violão ali no chão. Corre, meu ouvidos tem pressa. Estão chamando por música – Brinquei.
Ele correu, pegou o violão e voltou.
- Pronto, agora estamos pertinho um do outro. – Disse ele
- Tudo bem, meu músico. Agora vamos quebrar o silêncio.
Ele odiava que ficássemos distantes. Eu não curtia silêncio. Mas agora estávamos pertinho um do outro. Pertinho o suficiente, para que ele se esquecesse de começar a tocar violão, e tocasse seus lábios nos meus, iniciando um beijo.
E sentados um do lado do outro, aproveitamos a bela e receptível tarde de outono. Pertinho um do outro, e calados. Ouvia-se apenas o barulho das folhas das árvores arrastando-se pelo asfalto devido ao vento. Passamos uns ótimos dez minutos, abraçados sem dizer nada. Quando pedi para que ele tocasse para que eu pudesse ouvir, em meio todo ao silêncio, a música seguia seu ritmo.
Bom, ele era meu melhor amigo. Não que amizade entre homem e mulher não existisse. Porque existe. O que acontece, é que um dos dois acaba se apaixonando. No meu caso, eu tive sorte: Os dois se apaixonaram. E pelos meus sentidos aguçados, desconfio que essa paixão teve início desde o primeiro dia em que entrei pela porta da sala daquele colégio estranho, cheio de patricinhas e meninos convencidos.
Até então eu nunca descobri se Lucas era convencido ou não. Mas havia algo nele, que o diferenciava dos outros. É como se ele fosse um metal e eu um imã. Fosse ele convencido ou não, eu estava absolutamente convencida, de que não poderia viver sem ele. É como a música que quebra o silêncio com seu ritmo. Eu precisava da música para não me sentir enjoada pelo silêncio. Agora eu precisava dele para não me sentir sozinha. Eu amava ele, indiscutivelmente. Adorávamos ficar sozinhos juntos. É que no amor, a própria solidão tem companhia. Eu me dei conta disso naqueles dez minutos de silêncio que passamos abraçadinhos. Depois percebi também que amor e música sempre estão dispostos a entrar em sintonia. Não parecia fazer sentido, mas eu gostava disso.
Me sentei na primeira carteira, da segunda fileira. Foi a primeira carteira vaga que avistei. Eu estava numa melancolia profunda, por me sentir uma estranha ali. Mas um anjo me salvou quando eu estava prestes a me jogar do penhasco. Uma voz de tom aveludado falou no meu ouvido perguntando se eu me importaria se ele se sentasse comigo para me ajudar. Era Lucas, meu novo colega, que se sentava atrás de mim. De repente, me dei conta de que um dos convencidos fora o primeiro a me tirar um riso, a aliviar meu medo. Talvez ele não fosse tão convencido assim... Eu me senti tão bem quando ele se sentou ao meu lado. O fato é que não demorou muito para que ele se tornasse meu melhor colega de classe e o meu melhor amigo. Eu amava o jeito como ele tentava me fazer entender contas de matemática e me encantava como ele se divertia quando confundia minha cabeça com os números. Exatas nunca foi o meu forte. Eu me preocupava com minha lentidão nessa matéria, mas depois que o conheci tudo ficou mais fácil. Era como se eu me esquecesse de me preocupar. Ele me ajudava em tudo que eu tivesse dificuldade. Éramos super diferentes: Ele era o cérebro em exatas além de saber um pouco sobre todas as outras matérias, e eu era ruim em tudo. Mas tem algo que sempre foi nossa sintonia: a música. Eu sempre amei música. Estava sempre com os fones no ouvido e em casa, eu amava sentir o som soar em meus ouvidos com o volume alto. Lucas também adorava música. Mas o que ele amava de verdade, era tocar violão, ele me contara. Tocar era tudo pra ele.
“Quando você toca um instrumento, você passa a ter um motivo a mais para amar a música. Quando você está tocando, quem está fazendo a música é você.” – Ele me disse uma vez no recreio, quando estávamos falando sobre música. Não fazia muito sentido, mas no fundo eu gostava disso. No fim de 2005, tive que voltar para minha cidade natal. Ficar sem ele, vê-lo dizer que sentiria saudades, doía em mim. É claro que eu teria saudades. É que... Bem... Eu me apaixonei por ele, meu melhor amigo. Dois anos se passaram, e no outono de maio de 2007, voltei novamente para a cidade de Lucas. Era um rolo. Coisas do trabalho do meu pai. Aí tínhamos que ficar indo e voltando num certo período de meses. Caminhava lentamente na rua logo ao lado do rio que ficava no centro da cidade. De longe comecei a ouvir o som acústico da música Quase de manhã, do Scracho e uma voz aveludada a cantando baixinho. Conforme eu andava, o som ia ficando mais próximo. Então eu subi no murinho que ficava ao lado daquela rua, e avistei quase perto da borda do rio, um anjo de voz aveludada tocando violão. Era Lucas. Desci do murinho, me sentei na rampa, numa distância boa para que ele não notasse minha presença ali. Estava adorando o ver tocar enquanto cantava. Eu hesitava se chegava perto dele, ou esperava ele terminar a canção, pensando: 'Talvez não seja o momento, é melhor repensar’. Quanto mais eu repensava, mais eu hesitava. Fui me aproximar um pouquinho mais dele, e pisei em uma pedrinha que havia logo adiante, fazendo-a rolar a rampa abaixo até cair na água. Era uma pedra pequena, mas fez barulho o suficiente para que Lucas olhasse para o lado, e me visse contemplando-o, sem graça por ele ter me descoberto. Ele gritou meu nome, como se não acreditasse que eu estava ali. Colocou cuidadosamente o violão no chão, e veio correndo me dar um abraço de urso.
- Faz tempo que você está aqui? Senti tanto a sua falta!
- Não. Eu tentei ficar quieta para você não me notar enquanto cantava e tocava. Não queria te interromper. Você não sabe o quanto estou feliz por ter te encontrado.
- Que isso, Bela.
- Relaxa. Eu só queria ouvir a canção toda. Eu nunca tinha te visto tocando antes, foi incrível.
- Mas você sabe que eu nunca gostei que ficássemos distantes um do outro. E se eu bem te conheço, você nunca gostou que ficássemos em silêncio.
- Mas não estávamos em silêncio agora há pouco. Você estava fazendo música. Tocando.
- Uau, você ainda se lembra do que eu disse. “Quando você está tocando, você é que está fazendo a música” – Falamos a frase em uníssono. – Sorrimos.
- Der, eu jamais esqueceria.
- Mas enfim... Posso terminar de fazer aquela música sentado ao seu lado?
- Já demorou já pra você ir buscar seu violão ali no chão. Corre, meu ouvidos tem pressa. Estão chamando por música – Brinquei.
Ele correu, pegou o violão e voltou.
- Pronto, agora estamos pertinho um do outro. – Disse ele
- Tudo bem, meu músico. Agora vamos quebrar o silêncio.
Ele odiava que ficássemos distantes. Eu não curtia silêncio. Mas agora estávamos pertinho um do outro. Pertinho o suficiente, para que ele se esquecesse de começar a tocar violão, e tocasse seus lábios nos meus, iniciando um beijo.
E sentados um do lado do outro, aproveitamos a bela e receptível tarde de outono. Pertinho um do outro, e calados. Ouvia-se apenas o barulho das folhas das árvores arrastando-se pelo asfalto devido ao vento. Passamos uns ótimos dez minutos, abraçados sem dizer nada. Quando pedi para que ele tocasse para que eu pudesse ouvir, em meio todo ao silêncio, a música seguia seu ritmo.
Bom, ele era meu melhor amigo. Não que amizade entre homem e mulher não existisse. Porque existe. O que acontece, é que um dos dois acaba se apaixonando. No meu caso, eu tive sorte: Os dois se apaixonaram. E pelos meus sentidos aguçados, desconfio que essa paixão teve início desde o primeiro dia em que entrei pela porta da sala daquele colégio estranho, cheio de patricinhas e meninos convencidos.
Até então eu nunca descobri se Lucas era convencido ou não. Mas havia algo nele, que o diferenciava dos outros. É como se ele fosse um metal e eu um imã. Fosse ele convencido ou não, eu estava absolutamente convencida, de que não poderia viver sem ele. É como a música que quebra o silêncio com seu ritmo. Eu precisava da música para não me sentir enjoada pelo silêncio. Agora eu precisava dele para não me sentir sozinha. Eu amava ele, indiscutivelmente. Adorávamos ficar sozinhos juntos. É que no amor, a própria solidão tem companhia. Eu me dei conta disso naqueles dez minutos de silêncio que passamos abraçadinhos. Depois percebi também que amor e música sempre estão dispostos a entrar em sintonia. Não parecia fazer sentido, mas eu gostava disso.
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Letícia R.
#Para edições visual e contos/histórias do bloínquês.
Adorei, muito lindo :)
ResponderExcluirmaravilhoso seu conto, me identifiquei muito com a história, parabéns! mereceu ganhar
ResponderExcluirhttp://aas-pequenas-coisas.blogspot.com/
beijo, luana