sexta-feira, 4 de junho de 2010

Borboleta azul




Eu tinha quatorze anos quando conheci uma garotinha de apenas sete aninhos. Ela tinha o cabelo castanho claro preso em duas trancinhas delicadas. Ela vestia um vestidinho bem simples num jogo de listras branca e vermelha. Ainda recordo de quando cheguei ao jardim que havia a três quarteirões pra cima de casa. Era de manhã. O sol iluminava graciosamente a cidade. De longe avistei as flores coloridas do jardim. Sorri. Eu adorava a primavera. Todo dia de manhã eu ia naquele lugar para escrever versinhos. Não havia nada mais inspirador do que escrever circundada de flores coloridas, com borboletas voando para todo lado, e o sol cintilando no céu azul.

Era uma sexta-feira de manhã quando passei entre as flores, para ficar no centro de todas elas, naquele lugar vazio, cheio de pedrinhas pequenas para enfeitar o jardim. Era ali que eu me sentava para escrever, no centro do círculo de flores. O sol brilhava, e assim que cheguei no centro do jardim, me deparei com uma garotinha pequena que me olhou assustada, com lindos olhos verdes que ficaram mais lindos ainda ao ficarem de frente para a luz solar.
- Oi! – Disse, sorrindo. Como é seu nome?
Ela me parecia assustada. Então eu disse:
- Tudo bem, eu venho aqui quase todas as manhãs. Na primavera principalmente. Isso tudo é inspirador pra mim. Mas... Eu nunca te vi aqui antes. Vem sempre aqui? – Sorri, olhando-a.
- Meu nome é Clara. Me chamam de Clarinha. Desculpe não responder sua primeira pergunta. Tenho medo de pessoas estranhas. Mas você não parece ser uma pessoa má. E bem... Eu venho pouco aqui. Na verdade, essa é a primeira vez que venho até aqui. Eu moro com meu irmão mais velho e minha mãe.
- Entendo seu medo, Clarinha. Mas sempre é preciso tomar cuidado com quem conversamos às vezes. Mas eu tenho só quatorze anos. Ainda sou uma pré-adolescente boba que faz versinhos pra se sentir bem. – Demos risada, então continuei: Mas enfim, o que te trouxe pra cá? Devia vir mais vezes aqui. É tudo tão sereno e lindo.
- Uma borboleta azul! Meu pai me mostrou uma quase igual antes de dormir pra sempre. Pode ser a mesma borboleta que ele pegou. Eu vim atrás dela. Meu pai me contou que as borboletas azuis, eram amigas dele. Quem sabe essa que eu to procurando, não saiba como ele está.
Sorri um tanto sem jeito, refletindo a inocência de criança de Clarinha. Senti pena. Mas achei interessante o modo como ela me fazia me sentir uma criança novamente.
- Sim, Clarinha. Ela pode saber como está seu pai. Aliás, tenho certeza de que ela sabe! Borboletas são espertas. As azuis então são as mais encantadoras. Quer que eu te ajude a encontrá-la?
- Claro, me ajuda! Eu não sei aonde aquela danadinha se escondeu. Ela é esperta demais pra que eu consiga achar ela sem ajuda. E sim, as borboletas azuis são as mais encantadoras. Meu pai também dizia isso.
Nós duas começamos a procurar a borboleta azul em todos os lados. Enquanto isso ela me fazia perguntas:
- Como é escrever versos?
- Ah Clarinha, é maravilhoso. Ainda mais quando algo te inspira. Mas às vezes você pensa, escreve algo e apaga várias vezes porque não consegue dar uma continuação para a primeira palavra. Aí é difícil de aceitar, recomeçar do zero. É como se as palavras trancadas em sua mente não quisessem se expor de maneira alguma no papel.
- Palavrinhas teimosas. – Riu ela. Eu não sei escrever ainda. Se eu te falar o que quero ver no papel, você pode escrever pra mim?
-Lógico que sim, Clarinha. Isso é maravilhoso.
- Sim, acho que é. Eu quero falar sobre a borboleta azul. Vamos fazer isso agora? Enquanto isso, nossa amiguinha se cansa de se esconder e aparece!
Sorri, peguei meu caderninho e nos sentamos sobre as pedrinhas.
- Muito bem, o que você quer que eu escreva?


Então ela foi ditando lentamente suas palavras inocentes para que eu grafasse. Assim ficou:
“Borboletas azuis são encantadoras. Ouço alguns dizerem que anjos não existem. Mas uma vez ouvi dizer que anjos tem asas, na maioria das vezes. Meu anjo sem asas, caçador de borboletas azuis dorme. Mas meu anjo azul com asas que batem sem parar, brinca de esconde-esconde comigo agora. Estou procurando para encontrar. Onde se escondeu, borboletinha azul?”


Sim, ela me explicou que considerava as borboletas pequenos e indefesos anjos. Eu achei lindo. Ela acreditava em anjos, e por acreditar, eles existiam. Mesmo que fossem apenas borboletas.
Pedi a ela para fazer uma cópia do verso um pouco extenso dela, e entreguei o que eu escrevi primeiro a ela. Ela ficou toda sorridente, não via a hora de mostrar para a mãe que havia feito um verso. Não com sua letra, mas com suas palavras. Sua singelas e lindas palavras inocentes de criança.
Quando íamos nos levantar, vimos uma borboleta azul, pousando sobre as pedras, bem na frente de Clarinha.
- Olha! É ela! Eu disse que ela se cansaria de se esconder!
Ela sorriu, deu um pequeno passo à frente e se agachou para pegar a borboleta azul.
A borboleta ficou cinco segundos sobre a mão de Clarinha e voou. Depois ela se levantou sorrindo, com seu verso na mão. Me disse tchau. Falou que tinha que contar tudo à sua mãe.
Saiu pulando, cantarolando. Foi incrível como sua mente era pura e como colaborava na hora de soltar as palavras teimosas, como dizia ela. E aquela foi a primeira e ultima vez que a vi. Seria ela uma exceção de criança sábia, ou seria ela apenas uma criança inocente?
Eu não sei. Talvez ela fosse um anjo também. Um dos anjos sem asas que veio com a tarefa de mostrar a uma ou mais pré-adolescentes bobas persistentes em criar versos perfeitos, que as palavras saem bem mais bonitas quando são escritas com o coração e que não precisam fazer sentido para que sejam belas. E que inspiração, se tira até da falta desta.


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Letícia R.
#Pauta para o Bloínquês e para o Projeto Sílaba Tônica.

3 comentários:

  1. Lindo texto.
    Bjs
    http://nuvem-de-amor.blogspot.com/

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  2. Olá, passando para te convidar para conhecer o Projeto In Verbis.

    http://oprojetoinverbis.blogspot.com/

    Abraços.

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  3. Adorei, o misticismo aí expresso foi maravilhoso :)

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