Havia a levíssima vontade de ser como todos. Tipo aquela vontade de comer algo quando se sente fome. Mas aquela leve vontade de ser igual, no fundo era urgente, porque o que Isadora sentia era desprezo, cuja palavra até desconhecia.
Por que os coleguinhas riam tanto? Por que não ter algum fio de cabelo na cabeça, era motivo para ser deixada de lado?
Não chorava. Porque não entendia e nem imaginava o que era exclusão proposital. Mas algo lhe doía silenciosamente. Ouvia alguns dizerem que os diferentes tinham que ser tratados com diferença. Mas desde quando estar sem cabelo significava não ter amigos?
Sabia que o câncer foi o que a fez ficar careca. Assim como também sabia que com o tempo, seu cabelo voltaria a crescer. Entendia a doença. Não fosse o fato de não a tratarem normalmente, não lhe seria incômodo esperar os fios nascerem lenta e novamente.
Andava sozinha pelos corredores da escola, vendo todos rindo, correndo e se divertindo em grupo. Então olhava para baixo. E a única pessoa que lhe fazia companhia, era ela mesma. Logo, sentia um vazio. O que a tomava era solidão, mas ela não saberia dizer que era isso. Era algo que ela apenas sentia.
A carteira da sala de aula era um pouco inclinada e, nos momentos vagos, fazer com que as canetas deslizassem sobre a mesa a mantinha distraída. Uma vez deu o sinal para o recreio e, estava tão distraída com as canetas deslizantes, que saiu para o corredor com as mesmas na mão. E então, o vazio bateu de novo. Por que não a chamavam para brincar, como chamavam uns aos outros?
Chegou ao banheiro. Ao entrar, deparou-se com um espelho que a refletia inteira. Olhou-se e notou as canetas preta e vermelha na mão direita. Pensou consigo mesma que era hora de ser igual. Com todo cuidado e inocência, pousou a mão esquerda no espelho para apoiar-se melhor, e com a mãozinha direita desenhou um cabelo preto curtinho sobre a cabeça refletida. Para melhorar a aparência, um laçinho vermelho preso no cabelo, ao lado. Terminado de desenhar, esboçou um sorriso mais inocente do que o desenho que a fazia se sentir como os outros coleguinhas.
Até mesmo as mais singelas pessoas necessitam de algo. E quando não possui, cria. Cria de um jeito tão intenso, que toma aquilo como verdade. E essas verdades criadas são mesmo o melhor tipo de criação.
Isadora ainda continuava diferente. E o era. Não porque não tinha cabelo. Mas porque tinha inocência. E toda malícia que seus outros coleguinhas tinham, ela desconhecia. Na mais fina pureza, ela só queria livrar-se da sensação de vazio. Buscava felicidade sem saber. E estava alegre ali frente ao espelho. Cada um é feliz como pode.
Mas aqueles coleguinhas cheios de maldade e ainda tão pequenos já buscavam superioridade e praticavam zombaria. Sabiam o nome da maioria das coisas que sentiam. Mas não eram plenamente felizes. E nem sabiam.
Porque aquele que deixa uma pessoa de lado, julga e não faz sorrir alguém, jamais poderá dizer-se feliz.
E o problema não está em ser diferente. Mas na falta de tratar todos com igualdade.
"Cada um é feliz como pode"
ResponderExcluirE eu prefiro mesmo é o diferente.
Ser feliz mesmo nem tudo dando certo, é a forma mais autêntica de felicidade.
ResponderExcluirBelo texto.
Beijos