quinta-feira, 19 de maio de 2011

Inexplicável



Era final de maio, e o clima típico de outono já se aproximava de como era nos dias de inverno. O vento ventava tranquilo lá fora, sem me assustar, mas eu podia saber que era um sopro gelado, porque mesmo de baixo do edredom eu sentia frio. Era oito horas da manhã. Vi no reloginho digital que eu tinha ao lado da minha cama.
Continuei de olhos fechados, como se estivesse mesmo dormindo. Não demorou muito para que eu ouvisse o bater leve da porta sendo fechada e a chave a trancando. Meus pais e meu irmão acabavam de sair. Me livrei do edredom, tirando-o rapidamente de cima de mim, e desci da cama, com rapidez. Eles haviam acabado de sair, e era impossível que voltassem num instante. Contudo, minha pressa era algo um tanto quanto inexplicável. Talvez fosse minha necessidade em fazer logo o que eu pretendia.
Foi correndo de meia que cheguei ao banheiro que ficava ao lado do meu quarto. Minha mãe sempre guardava uma tesoura na primeira gaveta da pia. Abri a gaveta rapidamente, e apanhei o objeto. Sem noção nenhuma sobre corte de cabelo, comecei a pegar pequenas mechas do meu, e fui cortando de pouquinho, na quantidade que a tesoura conseguia cortar. Eu não tinha muito cabelo, mas me foi trabalhoso fazer isso sozinha. Sem contar que a tesoura era imprópria, e pequena. E as mechas iam caindo no chão. Deixei que caíssem e ficassem aos meus pés. Não sei quanto tempo ao certo levei, mas demorei. Quando terminei e comecei a juntar o cabelo que havia no chão, ouvi o barulho da porta. Eram meus pais e meu irmão que haviam chegado. Corri depressa do banheiro e fiquei de frente com a porta, que já se abria. Meus pais, um do lado do outro, que sorriam, ficaram sérios no instante em que me avistaram. Apenas meu irmão esboçava um sorriso grande, como sempre fazia. Eu estava segurando pela ponta a blusa que eu vestia. E o motivo por eu estar segurando-a, eram as mechas que eu havia cortado do meu cabelo, que ali estavam. Peguei um punhadinho na mão direita, e estendi-a a meu irmão, que já sem fio de cabelo nenhum na cabeça, usava um boné vermelho. Ele se agachou diante de mim, olhando para o que eu segurava na mão, e continuava sorrindo. Pegou o punhadinho de cabelo, e em seguida colocou seu boné em minha cabeça. Fiquei felicíssima, pensando que aquele ato se devia a ao fato de que com o cabelo que eu havia doado, ele não precisaria mais usar boné.
- Prontinho. – Falou o cabeleireiro, tirando-me do devaneio que tive enquanto ele dava conta do meu cabelo.
Ele virou a cadeira, me deixando de frente para o espelho. Fiquei impassível, mas interiormente contente. Era como se meus órgãos todos tivessem boca, e sorrissem.
- Desculpe-me perguntar, D. Lúcia. Mas por que quis raspar a cabeça? – Perguntou ele, com intrigada curiosidade.
Olhei para ele através do espelho que havia em minha frente, e respondi com uma sinceridade que nem eu mesma sabia que possuía:
- Eu perdi um irmão quando eu tinha seis anos. Aos meus cinco anos e meio, ele teve a cabeça raspada porque a quimioterapia fazia cair demais o cabelo dele. Ele tinha leucemia. Ouvi minha mãe dizer que ele ficaria com a cabeça nua. Então cortei meu cabelo, para doar a ele, afinal, as pontas não me fariam falta. Mas eu não sabia que não se fazia implante de cabelo. Ele morreu alguns meses depois. E eu nunca me arrependi de ter estragado meu cabelo, cortando tudo errado. Ainda acho que foi o melhor corte que já fiz na vida. Mas os anos passaram... E eu tenho uma filha agora, com a mesma doença. Ela está com oito anos, e chora a cada conjunto de cabelo que cai de sua cabeça. Por isso resolvi raspar a minha, antes mesmo de levá-la para raspar a dela. Ainda vou arrumar um jeito de dizer pra ela que estarei junto com ela em tudo. O medo dela é o meu medo; O choro dela é o meu; Quando a cabeça dela ficar nua, a minha também já estará. Eu não sei explicar o que me leva a fazer isso, exatamente. Mas é como um ato de solidariedade. Só que é muito mais mesmo do que isso. E a propósito, se eu pudesse voltar no tempo, no momento em que eu cortava meu cabelo quando era criança, eu posicionaria a tesoura bem próxima ao coro da minha cabeça, já que eu não tinha como raspá-la. Já saberia que num se doa cabelo, mas pelo menos eu e meu irmão estaríamos iguais.
Podia ver que o olho do cabeleireiro cintilava. Cintilava porque havia lágrimas presas em seus olhos. Não sei por que ele se emocionava. Eu nem pensava para dizer essas coisas, apenas dizia. Meu coração é que empurrava cada palavra até a garganta, e então minha boca as pronunciava. Dizia como quem sente, e não como quem pensa. Talvez fosse por isso que eu não conseguia explicar e era até um tanto confuso de entender o motivo que me levara a raspar todo meu cabelo. Era confuso sim. Pois aquelas não eram palavras ditas pelo pensamento, não podiam ser claramente compreendidas. Porque sentimento é algo que só se entende sentindo. Não havia como explicar, algo que nem eu com meu próprio pensamento podia entender. Era algo que eu apenas sentia fortemente que devia fazer. E fiz.


# Pauta para Bloínquês

4 comentários:

  1. texto simplesmente emocionante...
    lindo...
    =***
    se cuida aew moça...
    ^^

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  2. e eu gostei 2 vezes...
    xD
    antes de comentar, e depois de comentar...
    shauishasiuhausihasiuhasiuahsiuash...

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  3. ola gostaria de a convidar para estar postando tbm no meu blog os vossos texto
    abraço
    de uma olhada http://diasdefugaatordoado.blogspot.com/
    poste um comentario com sim e nao

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  4. Realmente, emocionante

    Gostei do blog. Estou seguindo^___^

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