terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Inexplicavelmente jovem

“Um general britânico, uma patricinha boba de saia curta e salto alto e um príncipe entrando no salão”, pensei. Som muito alto, luzes coloridas por todo o salão e muita gente. Era aniversário da Giovanna, a festa era à fantasia.
Vários adolescentes, cheios de desejo, se movendo com o soar da música. Eu ali, olhando-os, sem a mínima vontade de me misturar.
Resolvi sair. Tava um saco aquilo tudo. Comecei passar, em meio aos corpos que se moviam. Uma mão que tocou minhas costas me fez parar. Olhei para trás. Era um garoto lindo. Ele passou o braço em minha cintura e disse sorrindo, me olhando:
- Quer dançar?
Era o garoto mais lindo que eu já havia visto. Ele era alto, moreno, forte, tinha olhos azuis hipnotizantes, e era simples e perfeitamente lindo.
-É que... – falei olhando em seus olhos como quem acaba de se encantar. –Sim, eu quero dançar sim! –finalizei sorrindo.
Eu ia responder que estava de saída. Mas com aqueles braços envoltos na minha cintura, com aquele sorriso estampado no rosto e hipnotizantes olhos azuis, ficava difícil rejeitar.
Nos divertimos a noite toda. Era madrugada e ele se ofereceu para me levar para casa. Achei simpático da parte dele, como também não achei uma má ideia aceitar a oferta.
Saímos do salão, ele abriu a porta do carro para que eu entrasse. “Que garoto será esse.”
Liguei para meus pais. Avisei que estava voltando.

Entramos numa rua deserta, escura. Começou a chover forte. Veio um carro de frente, com a luz do farol apagada. Ele corria muito, sem ter pra onde desviar, o carro em que eu e o garoto lindo estávamos, foi jogado para fora da estrada. No começo eu sentia um desespero enquanto sentia o carro girar. Ouvia de longe o barulho da chuva. Depois, eu não senti, nem ouvi mais nada.
Acordei numa sala pequena, deitada em uma maca com um plástico em cima de mim. Dois jovens me olhavam. Eu olhei ao meu redor, e percebi que estava em um necrotério. Tirei rapidamente o plástico que me cobria, levantei da maca, senti meus pés tocarem o chão e saí correndo em direção a porta. Peguei a maçaneta, senti meu corpo estremecer. Não liguei para isso. Abri a porta, saí pelo corredor. Um dos jovens gritou:
- Mariana, não!
Conforme fui me distanciando, fui me sentindo sem forças. Caí no chão, sem energia para sustentar meu corpo em pé.
E mais uma vez me encontrei naquele necrotério. Me irritei, confusa, sem nada entender:
- O que estou fazendo aqui? Quem são vocês?
- Somos os anjos da morte. Você está aqui porque vamos te ajudar.
- Ah, que bobeira. Eu preciso ir embora. Meus pais estão me esperando.
- Mariana, você está morta. Se distanciar-se muito de nós, sumirá!
- Eu não estou morta. Estou falando com vocês.
Foi quando olhei para a maca. Vi meu corpo ali. Parei.
- Tudo bem, meu corpo pode estar ali, mas eu to aqui, viva! – Retruquei ainda sem entender.
- Mariana, você morreu em um acidente, na hora errada e seu corpo foi terrivelmente degradado. Nós, anjos da morte, somos responsáveis por cuidar das almas das pessoas que morrem em horas erradas. Você pode voltar ao mundo se quiser.
Eu estava confusa, mas talvez já que eu poderia voltar ao mundo, resolvi dizer que era óbvio que eu voltaria.

- Mas tem um porém. –Um deles falou. - Você pode voltar ao mundo. Mas terá que voltar em outro corpo devido ao estado em que o seu se encontra.
“O quê?”
- Eu acho isso tudo um absurdo. Mas tudo bem. Eu volto em outro corpo, procuro meus pais e digo que estou viva.
- Acho isso um pouco improvável – um deles riu. – Mas que assim seja então. –finalizou.


Deitada na maca de um hospital, senti fortes choques elétricos incessantes a fazer meu coração pulsar novamente. Abri os olhos, inerte, olhando os vários médicos ao meu redor.
- Conseguimos! Nós conseguimos! – eles todos comemoravam.
Dei uma tossida involuntária, e quando fui levar uma das minhas mãos na boca, percebi minha pele branca, velha e enrugada.
Ah, qual era a daqueles anjos? Eu tinha acabado de morrer e me reencarnaram em um corpo de uma senhora à beira da morte?!

Eu quase morri novamente, pura raiva e desgosto. Me deram alta no hospital. Me chamavam de Dona Clarice, pelo visto esse era meu nome. Com a ajuda de uma moça que dizia ser minha vizinha, cheguei em casa: Ninguém lá. Eu era velha, mal sucedida e solteirona.
Ah, mas eu ia mudar aquilo tudo. Bom, pelo menos eu tentaria mudar as coisas enquanto aquele corpo durasse. Afinal... Onde será que uma velha pode encontrar um velho lindo, forte e de olhos azuis? Ah, e bem sucedido?
Moreno seria difícil. Velhos costumam ter cabelos grisalhos. Altos? Quase impossível. Eles ficam meio corcundas com a velhice.

Ah, não seria nada fácil dali pra frente. Achar meus pais seria difícil com aquele cansaço que eu sentia ao andar. Mas ainda se eu os achasse, alguém haveria de me colocar no hospício quando eu persistisse em dizer que era a Mariana.
Eu então resolvi ir à praça que ficava no centro da cidade. Sim, eu sentaria no que chamavam de “bancão” quando eu era a Mariana. Eu daria agora uma de velha moderna.
Luxuosidade, dinheiro, diversão com outros adolescentes, garotos... Tudo isso era pra Mariana. Eu era pobre nessa nova vida. Mas dinheiro não me impediria de me divertir.



Bom... Noite de sexta-feira, bancão lotado, e eu fui pra lá lotar mais um pouco. Não estava exatamente uma patricinha boba de saia curta e salto alto, mas estava uma velha moderna e atraente. Me sentei ali, quase perto dos jovens. Haveria de passar um homem da minha idade que me notasse. Meu corpo era velho, mas minha alma ainda estava na fase ‘vivendo a vida’. E eu ainda tinha muito, muito a aprender. Ou então muito a ensinar para aquele idoso corpo.

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Letícia R.
# Pauta para 73ª semana do Blorkutando.

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