quinta-feira, 13 de maio de 2010

Uma lembrança de duas vidas


“Há muito tempo que eu não pegava uma caneta para por palavras em um simples papel branco, sem nada escrito, ou desenhado, ou rabiscado. Até porque eu sempre estive ocupado demais tentando manter meu coração tranqüilo. Giovanna me dizia que uma das melhores formas de viver, era simplesmente viver e tentar expressar algo em um simples papel branco. Bom, eu não tive uma vida muito afável. Não me alegraria por minhas tristezas no papel. Ela dizia que no papel eu poderia colocar o que eu bem quisesse, fossem tristezas ou alegrias. Mas minhas alegrias eram alegres demais para eu conseguir por tudo no papel de modo tão feliz quanto eu sentia. Minhas tristezas eram desgastantes para eu vivê-las uma vez, e vivê-las novamente enquanto estivesse expressando-as. Então eu escrevi pouco sobre o que eu senti. Na verdade, eu não escrevi nada. Só que dessa vez é diferente. Não sei se é alegre, ou se é triste, mas meus dedos seguram a caneta, pressionando sua ponta sobre o papel branco, grafando as palavras, inexplicavelmente. Meu coração ta pedindo aos meus dedos para se movimentarem agora, de forma a falar sobre Giovanna.
Foi a garota mais incrível que eu já conheci. Não sei, ela sempre foi e pra mim sempre será diferente das outras. Ela tinha um jeito único de ser, e apesar dos nossos problemas, ela fazia com que eu sentisse gosto em viver. Tínhamos câncer. Eu ainda tenho, apesar dos meus 15 anos de idade. Não faço ideia de como estou vivo.
Ela me dizia que um câncer, fosse maligno ou benigno, poderia até nos levar a morte algum dia, mas jamais nos tiraria o que há de melhor na gente: A força de vontade. Me recordo de quando estávamos no parquinho balançando e ela me falava que aquele que acredita em si, e que tem força de vontade, poderia qualquer coisa. Talvez seja por isso que estou vivo. Me parece que minha vontade de ultrapassar meu limite de vida, foi imensa e muito forte. Afinal, disseram que eu viveria no máximo até os dez anos de idade, e aqui estou eu com quinze.
Era novembro, ainda me lembro. Novembro de 1995. Eu a procurava por todos os cantos do hospital, não a achava. Pela segunda vez, entrei em seu quarto na esperança dela estar ali. Foi quando ela se escondeu, porque estava sem cabelo, e eu disse que não a amo somente fisicamente e sim espiritualmente, pois não amamos um corpo e sim uma alma. Sorri espontaneamente para ela, que me devolveu outro sorriso. Foi um sorriso singelo, mas não me pareceu ser de alegria. Eu podia ver em seus olhos que estava triste. Eu tinha nove anos, ela tinha apenas sete. Eu sempre a achei uma menina esperta, cheia de vida. Mas naquele dia, 5 de novembro de 1995, ela sorriu pra mim, com o mesmo sorriso singelo de sempre, mas a melancolia que eu notava em seus olhos, me dava a certeza de que algo estava errado. Num repente, antes que eu pudesse me aproximar dela, seus olhos ficaram bobos, era como se eles quisessem se fechar, mas ela quisesse mantê-los abertos. Ela conseguiu olhar pra mim mais uma única vez e seus olhos se fecharam completamente, e seu corpo caiu ao chão. Corri junto a ela ali no chão, com toda inocência de criança, tentei acordá-la. Os médicos vieram depressa, pegaram-na, e a levaram para longe de mim. Vinte minutos depois, fiquei sabendo que ela havia morrido. Foi a gota d’água pra mim. A primeira menina que eu amei, estava morta. Agora digo, que ela foi a primeira e a única por quem meu coração se apaixonou desde criança. Eu era pequeno, mas ainda me recordo de tudo que se sucedeu. Eu queria morrer junto, mas ela me ensinou que era preciso viver enquanto podíamos, e se eu estava vivo, é porque eu tinha que continuar vivo. Me sinto triste por sua morte até hoje. Mas desde então, eu pude aprender muita coisa. Sorrisos são um mistério. Simbolizam a alegria, mas eu vi Giovanna sorrir quando estava demasiadamente mal e triste. Foi aí que entendi que sorrisos nem sempre são de felicidade. Aprendi a ter força de vontade, e hoje, não sei como nem porquê, aprendi a expressar o que sinto no famoso papel branco que tanto Giovanna me mencionava. Não me sinto feliz ou triste. Sinto a tristeza e a felicidade blindando em mim. Acho que é a tristeza de ter vivido seis anos sem ela, e a felicidade de ter conseguido aprender tudo o que ela me ensinou. O que me levou a escrever? Uma vontade imensa de deixar lembranças minha e dela aqui nesse mundo. Sério, depois que a encontrei me tornei uma pessoa melhor. Agora estou sentindo, que é hora de encontrá-la novamente.”


P.S: Carta escrita por Gabriel, sem deixar destinatários. Faleceu sobre a mesa onde escrevia, poucos minutos depois de terminar de escrevê-la.
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Letícia R.
Pauta para edições Musical e Conto/história do Bloínquês
e para 30ª edição do Blogueando.

4 comentários:

  1. Menina, sou apaixonada pelo que vc escreve, parabéns e boa sorte!

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  2. Um dos textos mais emocionantes em que eu já li em minha vida.

    bjs, bjs e sucesso :*

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  3. Nossa, muito lindo esse texto, adorei mto :)

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